DESORIENTADOS (Parte II)

Um homem acorda agitado. Quarto escuro. Tábuas pregadas na janela. Por dentro e por fora. Ele se dirige para a janela e olha pelas frestas. Ouve o som de motores, mas não vê nada. Sente um mal-estar. Gosto de sangue na boca. Levei uma porrada? Põe a mão nos bolsos e apalpa os de trás. Encontra um papel dobrado. Foto? Anotações? Fita o papel, mas não o desdobra. Mete fundo a mão no bolso direito da frente. Chaves. Dirige-se à porta. Abre e dá de cara com um corredor. Uma das portas à sua esquerda está aberta. Ele vai até ela. Uma camisola sobre a cama. Espelho, cama, criado-mudo com um relógio digital desligado e um abajur verde-oliva e armário. Cômoda com uma semiaberta. Olha para dentro do quarto, mas não entra. Desce as escadas. Vira à esquerda. Na cozinha, vai até a geladeira. Uma única garrafa de leite. Olha para ela e exita. Veneno, ele pensa. Fecha a porta, esfrega os olhos e se dirige à porta. Olha para a cidade. Deserta. Nenhum som e nenhuma alma viva. Vira à direita, mas para. Gira o corpo e vai para a esquerda. Vai até um galpão, indo em direção aos fundos. Ele procura uma moto verde. A encontra. Como ele sabia onde encontra-la? Olha em volta... não vê ninguém nem ouve nada. Sobe na moto e a liga. Segue pelo meio da floresta. Não sabe para onde vai, mas segue em linha reta, como se perseguisse ou fugisse de alguma coisa. Ele olha para o tanque de combustível. Vazio. A moto começa a falhar. Ele a encosta e segue a pé, sem rumo. Em algum lugar deve haver uma estrada. Depois de alguns minutos, a encontra. Olha para ambos os lados e segue para a esquerda. Algum tempo depois, ouve sons vindo atrás de si. Luzes fortes surgem. Ele pára e força a vista. Faz um sinal de carona. O carro passa direto, e logo depois, para poucos metros à frente. É uma mulher.
Olá, estou perdido. Pode me dar uma carona? Ela o olha e sem dizer uma palavra, abre a porta. No banco do carona, há vários mapas. Ela os pega e joga-os no banco de trás. Obrigado. Puxa, estou completamente perdido. Minha moto ficou sem gasolina. Vou dar uma passada na próxima cidade para ver se consigo combustível. Nossa, quantos mapas. Você... está viajando?
Depois de alguns segundos, ela abre a boca.
Tem alguma coisa estranha. Parece que estou andando em círculos. Nesses mapas... (ela estica-se para trás e pega um), é estranho. Estou olhando para eles e há um monte de cidades das quais nunca ouvi falar. Você é daqui?
Não, eu não (ele desdobra mais um pouco o mapa.). Na verdade, eu nunca estive aqui. Estou apenas de passagem. E você? Também está só de passagem, ou é daqui? (Ele pergunta, mesmo já sabendo a resposta).
Eu não sou daqui. (Espera alguns segundos). Vim visitar uma prima (ela mente). Estou tentando encontrar a cidade onde ela mora. Faz anos que não a vejo (ela estica a mentira). E você? O que faz por aqui?
Eu trabalho com vendas (ele mente). Sabe, imóveis, casas, terrenos... (ele estica a mentira). É... não estou reconhecendo nenhum nome de cidade. Nem uma rota sequer. Qual é o seu nome?
Lucy (ela inventa). E o seu?
Michael (ele inventa). Prazer.
(As pessoas preferem buscar o conforto na mentira. Quem iria acreditar se dissessem que acordaram em uma cidade onde parece não ter vida, sem saberem nada sobre si, os dois pentam).
Você tem horas?
(Ela olha rápido para baixo e os olhos se voltam para a estrada).
Não. Aquilo era uma placa?
Não sei, nem reparei.
Quanto falta para o amanhecer? (Ela pergunta. Ele, intrigado, responde.)
Não sei. Olha, uma cidade mais à frente.
Seguem para a cidade. Parece ser a mesma de onde eles saíram.
Os dois sentem um frio na barriga, e não dizem nada até o momento em que estacionam o carro.
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