VEJO UM HOMEM SENTADO NUM BANCO DE PRAÇA.

Ele parece sozinho. Um certo ar de melancolia e reflexão em seu olhar é facilmente identificável. Ele é velho. Suas roupas também. Usa um chapéu cinza. Suas roupas também são cinzas. Barba branca há muito tempo não feita. Mãos calejadas. Seus olhos são claros. Suas mãos, escuras. Ele olha para baixo. Levemente inclinado para frente. Parece buscar o conforto do assento do banco, mas também parece evita-lo. Seus sapatos são esburacados e suas meias, remendadas. Muitas pessoas não vêem as coisas que eu vejo, e dessa vez eu tive de parar. Tive de sair do conforto de meu mundinho insignificante, simplesmente como curiosidade. Curiosidade para observar uma cena. Cena essa, do mundo real. O velho permaneceu na mesma posição durante um bom tempo. O único movimento perceptível é o de sua respiração. Ocasionalmente, ele ergueu os olhos. Olhos esses que percebem a multidão. Aglomerados de rostos de transeuntes que parecem ter o mesmo rosto. Afinal, estão todos vestidos da mesma maneira. Todos são iguais. Não há diferença visível. Ele respira fundo e abaixa seus olhos novamente. Sua camisa, com listras horizontais vermelhas e verdes se movem por baixo do longo farrapo cinza que outrora fora chamado de casaco. A cena permanece imutável, como uma foto antiga, em preto e branco. Será que apenas eu vejo isso? O que há de tão extraordinário nesse homem, afinal? Durante algum tempo, eu também fiquei parado. Não conseguia sair dali. Eu precisava descobrir, eu precisava saber quem era ele. E minha curiosidade logo seria saciada. Mas não por minha ação, de ir de encontro ao velho. E muito menos o velho veio em minha direção. De fato, ele nem me percebeu. Um outro homem, aparentando estar entre seus 28 e 35 anos, simplesmente parou, poucos segundos após ter passado pelo banco. Ele olhou para trás por alguns segundos e sentou-se ao lado do velho.
- Dia quente, não?, disse ele ao velho, enquanto tentava abrir sua valise, que parecia bem cara, assim como seu terno e toda sua indumentária.
Vamos nos aproximar para ouvir a história, eu disse para mim mesmo.
- Você falou comigo?, disse o velho. Sua voz era rouca, porém serena. O homem parou por um momento e disse:
- Sim. Há mais alguém aqui, além do senhor?
O velho voltou ao seu costumeiro silêncio, enquanto o homem vasculhava seus papéis na valise. Parou por um momento e, fechando sua valise, ergueu-se apressadamente, porém, ainda olhando para o velho, colocou sua mão direita no fundo dos bolsos, vasculhando, com sua valise entre o braço esquerdo e o tronco, depois trocando a posição da valise. De ambos os lados, ele tirou alguma coisa.
- Aqui, disse ele para o velho. O velho olhou para ele novamente, e depois para sua mão. Tome. É dinheiro. Pegue!, continuou o homem, com um “meio-sorriso”.
- Por quê?, disse o velho.
- Ué, continuou o homem, para comprar comida, bebida... sei lá, ... comprar alguma coisa. Afinal de contas, pra que mais serve o dinheiro? Vamos, pegue!
O velho estendeu suas mãos e o homem despejou moedas e notas de baixo valor nelas. Por um momento me pareceu que os dedos deles se tocaram.
- Obrigado, disse o velho.
- De nada, disse o homem. Agora, se me dá licença...
- O que você está fazendo, é errado, disse o velho, ao mesmo tempo em que o homem erguia sua valise do chão, no momento da doação.
- O que disse?, perguntou o homem.
- O que você está fazendo..., continuou o velho, ... é errado.
- O que eu estou fazendo? Eu não entendi... o que eu estou fazendo de errado?, disse o homem, de maneira enérgica, e até mesmo curiosa.
- Sua esposa, continuou o velho, ela não merece isso.
- Minha esposa? Você a conhece?
- Não, disse o velho, eu a vi em seus olhos.
- Você está me espionando, velho? O que é que você sabe sobre a mim? O que você sabe sobre a minha esposa? O que você sabe sobre a minha vida?
- Você a está traindo. Isso é errado. E ela sabe sobre isso. Ela está muito triste. Está sozinha. E sua filha...
- O que tem minha filha, velho? O que vai acontecer com ela?, disse o homem, furiosamente, e levantando o velho pelo braços. Vamos, fale!
- Sua filha..., continuou o velho, ...ela também sofrerá. E tudo por sua causa. Moedas não poderão lhe ajudar agora. Sinto muito.
O homem ficou atônito, sem ação alguma. Todos que passavam e perceberam a cena, olhavam com estranhismo para o homem e logo desviavam o olhar.
- Ainda há tempo. Você pode mudar isso. Vá para casa e diga à sua esposa que você a ama. Esqueça tudo e vá para casa. Vá. Agora.
O homem continuava olhando para o velho, que ainda mantinha seu olhar melancólico.
- Fale com sua secretária que você não pode continuar com essas mentiras, e que você ainda ama sua esposa. É tudo o que posso lhe dizer.
O homem foi soltando o velho aos poucos até ele voltar ao chão.
- Eu... eu não posso ir para casa. Eu tenho uma reunião. Eu preciso ir a essa reunião, senão vou jogar a minha carreira no lixo! Eu... eu não posso..., disse o homem, a ponto de quase chorar.
- Há coisas mais importantes. Você precisa ir.
O homem, depois de alguns segundos, se virou para o velho e perguntou:
- Quem é você, afinal? Algum tipo de vidente?
O velho olhou dentro dos olhos do homem e disse:
- Eu sou o Destino. Eu surjo quando é necessário, para alertar às pessoas sobre suas vidas... e sobre o fim delas.
O homem deu dois passos para trás e sua valise abriu-se, fazendo com que todas os papéis voassem.
- Sua valise, disse o velho, eu vim para lhe alertar sobre esse momento. É aqui e agora que você faz a sua escolha.
O homem, desorientado, olha para os lados, pega sua valise do chão e sai correndo atrás dos papéis pelo meio da rua, quase sendo atropelado por um ônibus.
Duas semanas se passaram desde o encontro entre o homem e o velho. Nos noticiários, uma notícia chocante sobre uma mulher que estava grávida de 4 meses. Ela eletrocutou sua filha de 7 anos na banheira e depois enforcando-se após o ato. O homem que falou com o velho, morreu esta noite. Cometeu suicídio. Jogou-se de uma ponte. Testemunhas disseram ter visto o suicida gritando sozinho no meio da rua e, posteriormente, se jogando na frente do transito, quase sendo morto no processo.
Alguns de vocês devem estar se perguntando, como eu descrevi tão bem o velho e mal falei sobre o homem.
Acontece que esse velho está diante de minha janela, nesse exato momento, sentado em um banco, esperando por mim. Eu estou olhando para ele agora, da janela de minha sala.
Deixo aqui este breve testemunho do que presenciei e, provavelmente estarei morto quando encontrarem esse recado.
Ninguém consegue mudar a própria história. Talvez seja por isso que ele seja tão triste.
Agora, se me dão licença, eu tenho um encontro com o Destino.
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